terça-feira, janeiro 30, 2007

Estado laico

O laicismo do estado é, para mim, uma pedra pilar de qualquer constituicão. É, a meu ver, a única forma de evitar a exclusão de certas minorias, como as outras religiões minoritárias ou os agnósticos e ateístas. Um estado secular é uma garantia de que é dado peso igual de direitos e deveres a todas as formas religiosas no país, preservando assim a liberdade religiosa. Ter o estado e a igreja unidos é medieval: é quase dizer que a nacão está "abencoada" por Deus e que a governacão é inspirada por este. Em Portugal temos um bom exemplo desses tempos, durante o salazarismo. Tenho uma amiga refugiada bósnia que não separa religião de nacionalidade: aos olhos dela, por ser português sou automáticamente católico. O caso dela é muito bom para demonstrar o que é que acontece quando a identidade religiosa e a identidade nacional estão intimamente associadas uma com a outra.

A religião, a meu ver, deve ser uma opcão individual, preferencialmente a ser tomada como resultado de uma certa dose de reflexão pessoal. Ser membro de uma religião "by default" à nascenca é quase um atentado à liberdade individual de escolha e de formacão da sua própria identidade. Ir para a escola e ser-se ensinado o ponto de vista, o cerimonial e a filosofia inerente a uma (única, preferenciada) religião é limitar a capacidade de compreensão de variados pontos de vista a uma crianca. No caso dos países nórdicos, ensinava-se (até aqui à poucos anos atrás) a rezar e os básicos da teologia cristã às criancas em idade de escola primária. O problema agudizou-se com o crescimento das minorias com outros pontos de vista religioso e com a crescente indiferenca/ateizacão religiosa da sociedade escandinava. Se se tiver aulas de educacão religiosa em que é dado um peso igual a todo o leque de religiões enquadradas pelo programa, dá-se a oportunidade de escolha individual ao indivíduo e o desenvolvimento da capacidade de decisão e de compreensão de diferentes perspectivas.

Se o estado tem uma religião oficial e a constituicão baseia-se nessa religião, então dá-se azo a confusões: pegando num caso actual, se o estado português fosse directamente ligado à religião católica, então nem se punha em questão a votacão acerca da liberalizacão do aborto - era proibido e assunto encerrado! (sim, segundo a interpretacão católica, sendo o momento da concepcão - fertilizacão - o momento em que a alma entra no ovo, então qualquer forma de destruicão deste é equivalente a homicídio, e isto é pecado mortal segundo a Bíblia).

O caso da Noruega é um exemplo infeliz disto. Para espanto de muitos, o estado e a igreja luterana norueguesa não estão separados (caso raro mas não isolado no mundo ocidental). O mais ridiculo é o facto de que a Noruega tem a taxa de agnosticismo/ateísmo mais elevada do mundo - apenas cerca de 33 % da populacão acredita realmente na existência de Deus. No entanto, a taxa de membros oficiais da igreja luterana é de 85 %. Uma das razões principais é o facto de que todo o cidadão nascido no país é automaticamente membro oficial da Igreja Luterana. Uma pessoa tem de voluntariamente preencher um formulário para deixar de ser membro da igreja. Isto faz com que muitas criancas descendentes de muculmanos sejam oficialmente cristãos sem o sequer saberem (e pagarem impostos para a igreja). Na Noruega existe uma clausula na constituicão na qual diz que pelo menos 51% dos membros do governo tem de ser membros oficiais da igreja luterana - facto este que já causou dores de cabeca aquando da formacão de governos com maiorias socialistas nalguns casos. Ainda mais interessante o facto de que o estado nomeia os bispos e intervèm nas decisões internas da igreja. Talvez mais escalabroso do que Deus (existindo este) intervir na governacão dos homens, é o dos homens votarem nos assuntos de Deus!!! Um caso actual aqui na Noruega é a nomeacão de padres homossexuais: existem bispos que são abertamente contra, enquanto a generalidade da populacão é a favor. Independentemente de quem é que tem razão do ponto de vista teológico, penso de que cabe aos especialistas (neste caso, os membros da igreja) decidir acerca destes assuntos. Ainda mais ridiculo quando se pensa que neste momento 77 % de ateistas e agnósticos decidem pela vontade de Deus... é quase cómico pensar nisto! Imagine-se um ministro muculmano a decidir pelas cerimónias da igreja cristã luterana, por exemplo!

Citando o JC em pessoa (e isto está no Novo Testamento): "Dêem a Deus o que é de Deus e a César o que é de César". Até ele era laico! ;-)

2 comentários:

RC disse...

Concordo plenamente com o teu texto. O laicisismo do estado é a única forma de garantir os mesmos direitos a todos os cidadãos residentes num país.

Só uma correcção, os Noruegueses não são os mais agnósticos/ateístas no mundo.

Convido-te a consultar o seguinte documento e a leres a página 11 para que fiques elucidado a este respeito.

http://ec.europa.eu/public_opinion/archives/ebs/ebs_225_report_en.pdf

Abraço

viking disse...

Olá!

Este relatóreio é um tratado!!! Li só algumas partes mas há muito sumo neste relatório.

Basiei-me nas estatísticas apresentadas pelo diário Aftenposten e nas comparacões feitas entre este e países noutros continentes.

Mesmo assim, quando 32 % da populacão acredita em Deus, vale a pena ter um estado associado à igreja?

Interessante e talvez não tão surpreendente é a "taxa" de crentes em Portugal: 81%! Sinto-me cada vez mais numa minoria a esse respeito! ;-)

Porta-te e obrigado pelo relatório!
:-)
Paulo.