terça-feira, maio 23, 2006

A educacão vista de um ponto de vista escandinavo.

No post de ontem o Virgílio descreveu-nos alguns pontos do sistema de ensino canadiano. O sistema foi elogiado como sendo de qualidade. No entanto, despertou-me a atencão de se pagarem propinas altas, à semelhanca do sistema norte-americano, e desse esforco ser financiado pessoalmente, quer pelos pais (à semelhanca do sistema português), quer por empréstimos bancários.

Aqui na Noruega e nos países nórdicos existe uma política de educacão original e diria única no mundo. Sei que alguns leitores podem discordar comigo no que se refere às minhas opiniões pró-escandinavas de sistema político nórdico europeu, por serem demasiado socialistas e (hipoteticamente!) limitarem a liberdade de enriquecimento económico pessoal e priveligiarem o aparecimento de "preguicosos" que vivem à custa do estado e do sistema de bem-estar público. Concordo que é assunto de discussão as altas taxas de impostos, o proteccionismo económico de certos produtos e o monopólio do estado na maior parte dos servicos públicos. Mas um ponto que considero intocável, sagrado e quase sem discussão é o sistema da "Statens Lånekasse for Utdanning" que existe tanto na Noruega como também na Suécia, Dinamarca e Islândia, sob diversos nomes, mas com o mesmo princípio fundamental.

O princípio fundamental que serve de base a este sistema é a pedra-base da filosofia política escandinava: likestilling. Likestilling significa igualdade de estatutos, igualdade de tratamento, e, relevante para este tema, igualdade de oportunidades. É o termo mais importante do léxico político escandinavo. Tanto a Noruega como a Suécia têm sido campeões mundiais na aplicacão deste princípio na criacão de uma sociedade em que há igualdade entre os dois sexos, tanto do ponto de vista ideológico como no prático. Mas acima de tudo, para haver igualdade de oportunidades, tem de haver igualdade de acesso à educacão.

Em 1947, o estado norueguês criou a Lånekasse, em que todos os indivíduos maiores de 16 anos podem concorrer a receber uma bolsa do estado, uma espécie de salário mensal, de forma a poderem prosseguir os seus estudos. Esta bolsa foi primeiramente atribuida de uma forma progressista, isto é, dependia das capacidades económicas dos pais, mas na década de '70 tornou-se independente deste factor e hoje em dia toda a gente pode recorrer à Lånekasse (praticamente todos o fazem). Não existem muitos limites para o acesso à Lånekasse. Se uma pessoa de 40 anos decidir retomar os estudos, pode-o fazer com acesso a este fundo. A responsabilidade de apoio à educacão foi transferida dos pais para o estado. É considerado um direito fundamental da populacão o acesso à educacão. Tanto as escolas básicas como as do ensino superior são regidas sob o princípio da educacão gratuita, isto é, não existem taxas ou propinas e os programas escolares são planeados de forma a restringir as despesas privadas. Deste modo, as deslocacões pedagógicas (as chamadas "viagens de estudo") são parcialmente ou totalmente financiadas por fundos da escola, por exemplo. Os livros escolares podem ser comprados, mas existe uma rede desenvolvida de empréstimo anual organizado por parte das escolas (principalmente no ensino básico) e é extremamente vulgar o uso de livros "em segunda mão".

No entanto, não esquecamos que a própria palavra lånekasse revela a natureza desta bolsa: låne significa empréstimo, kasse significa fundo. Eventualmente o dinheiro emprestado pelo estado é pago novamente pelos alunos depois de acabada a sua educacão, mas de uma forma suave e lenta. Este empréstimo tem baixas taxas de juro e o aluno pode pagá-lo ao longo do resto da sua vida, a um ritmo negociado entre o indivíduo e a Lånekasse. No caso de morte, invalidez ou desemprego permanente, a dívida é cancelada. Em tempos de desemprego, o pagamento é automaticamente congelado. Os valores do empréstimo são ajustados de forma a fomentar o emprego sazonal no verão: são altos o suficientes para cobrir as necessidades básicas do aluno, mas não permitem luxos e muitos são aqueles que escolhem um emprego de verão de forma a ter uns trocos extra para cinema e umas cervejas de vez em quando.

Em relacão a possíveis críticas, este ordenamento não cria geracões de alunos preguicosos ou baixa o apreco dos mesmos pela sua educacão. Os alunos são tão (ou mais) competentes como qualqueires outros de outro país ocidental. Estes também não estão condicionados pelo nível económico dos pais ou pelas decisões destes (conheco casos em Portugal de pessoas que estudaram um curso de que não gostavam porque os pais ameacaram cortar o apoio económico se os filhos escolhessem outro curso). A Escandinávia é, talvez, o único ponto do planeta em que uma pessoa tem total liberdade de escolha no rumo a tomar na sua vida: quando se nasce, tem-se igual oportunidade de se vir a tornar carpinteiro, médico, primeiro-ministro ou astronauta, independentemente da situacão económica ou social dos pais, do sexo, raca, credo ou local onde se nasceu no país. Isto é, a meu ver, verdadeira liberdade e democracia!

Claro está que para financiar um sistema assim, é preciso forte contribuicão do Estado. E daí os impostos altos. Mas esta é uma daquelas regalias sociais que me dão justificacão suficiente para os pagar.

3 comentários:

RC disse...

Até parece que pagas impostos;)

Eu de facto concordo plenamente com o modelo escandinavo (esqueceste-te da Holanda, onde o modelo é semelhante) de financiamento dos estudos. Em Portugal existem algumas fundações que "oferecem" empréstimos a quem se candidatar. Mas estes empréstimos são limitados em termos de número, sendo os critérios de escolha dos candidatos os mesmos que se utilizam de forma corriqueira em qualquer candidatura portuguesa.

Fiquei bastante satisfeito quando ouvi o 1o ministro afirmar na Tv que iriam estudar a hipótese de concessão de empréstimos com juros baixos para que qualquer pessoa podesse estudar. Estranhei o facto de associações de estudantes e os partidos mais à esquerda terem levantado de imediato a voz contra esta hipótese! Segundo estes, isto poderia significar o fim do apoio social e do ensino tendencialmente gratuito! Esta forma de pensar, do estado providência, é um bocado rudimentar se compararmos com o modelo nórdico. No fundo, o estado continua a apoiar os estudantes, ao garantir um juro baixo, por um empréstimo que não sabe quando irá ser liquidado. O aluno pode escolher tirar o curso que bem entender, como tu bem referes, sem ter que se preocupar com o problema de ficar desempregado e com dívidas a pagar, no momento em que termina o curso! Isto é o modelo ideal.
Por um lado, não retira a responsabilidade do estado relativamente ao acesso ao ensino de qualquer pessoa. Por outro, responsabiliza o aluno, já que a este convem-lhe terminar o curso no mais curto espaço de tempo, para não ter que pagar o empréstimo o resto da vida!

Aqui na Suécia, os estudantes recebem ainda um subsídio do estado, no valor de cerca de 250 euros mensais. Este subsídio só é atribuido durante o número de anos que o curso é suposto durar (+1 se não estou enganado!). Portanto, se alguém decide eternizar a sua presença numa universidade, perde o direito a este subsídio.

QUanto aos impostos altos...não vou discutir, já que quase é preciso pagar um imposto para respirar! O alto valor dos impostos traduz-se em saúde e educação quase gratuitas, no entanto, continua-se a pagar impostos por tudo e mais alguma coisa! Por exemplo, se um pai resolve dar uma prenda a um filho, se o valor desta exceder determinado valor, o filho tem que pagar impostos sobre isso!

Para a semana poderias tentar estabeleccer uma comparação entre os dois sistemas de ensino universitário. Seria interessante. Já cá andas há mais anos e tiveste mais contacto com a universidade do que eu o que permitirá uma análise mais realista do que a que eu poderia realizar.

Abraço,

RC

viking disse...

Olá Ricardo,

O sistema de ensino a nível universitário é, curiosamente, um dos pontos que eu menos conheco aqui no norte. Sei algumas generalidades, mas não estou a par de como é que o sistema funciona na globalidade. Sei um pouco mais de como é que o sistema funciona aqui no curso de medicina (e não concordo totalmente com o sistema actual na Noruega, posso explicar porquê um dia), dado o contacto diário que tenho com os estudantes desta faculdade, mas quanto ao resto só tenho umas luzes.

:-)
Paulo.

Anónimo disse...

Bem, eh um ema extreamente interessante e bem dissecado. Parabens Paulo.
Devo dizer que este me parece o melhor sistema! Tenho batido na mesma tecla ha ja muitos anos e ainda ninguem me provou que estou errado: a educacao, boa educacao eh o pilar do desenvolvimento de um pais. Faz todo o sentido ser o estado a fomentar o desenvolvimento e qualidade da educacao, e naturalmente suporta-la financeiramente, pois eh o mais beneficiado. Mas claro que toda a sociedade sai beneficiada e como tal deve ter a obrigaco de suportar a educacao. Penso que em Portugal o grane problema esta em que as pessoas pagam impostos e nao veem qq melhoria na sua vida. Acho que todos compreenderiamos impostos mais elevados se vissemos o dinheiro ser bem empregue.
Abraco,
Virgilio