segunda-feira, março 13, 2006

Fraudes científicas!

Nunca como neste último ano, as fraudes científicas estiveram tanto na actualidade! Para o cidadão comum tal facto é indesculpável e incompreensível. Para aqueles que escolheram a ciência como profissão, tais actos são contra toda a ética profissional, indesculpáveis, mas, por vezes, compreensiveis!

O que leva então alguém a descer tão baixo?

Comecemos pelos factores de impacto. Quantidade não é sinónimo de qualidade. Pode-se analisar o curriculo de um cientista e ver que este publica 20 artigos por ano em revistas de baixo factor de impacto, enquanto o vizinho do lado publica 4 em revistas com elevado factor de impacto e concluir erradamente que o que publica 20 artigos por ano tem mais sucesso profissional do que o que só publica 4. Errado!!! O factor de impacto é, digamos, uma medida da relevância e do tempo de vida de um estudo! Quanto mais relevante for um trabalho científico maiores serão as possibilidades de ser publicado numa revista de factor de impacto elevado. Quem é que decide se um estudo é relevante ou não? Primeiro são os editores dessa revista. Segundo os reviewers, ou seja, cientistas comuns que trabalham na área na qual o trabalho se insere e que lêem o artigo antes deste ser aceite pela revista, corrigindo-o e dando sugestões para novas experiências, cabendo-lhes, em última análise, a decisão de aceitar ou não a publicação do trabalho naquela revista. E por último, o consumidor final, ou seja, a restante comunidade científica, que irá referenciar esse estudo quando publicar os seus artigos. A grande vantagem dos factores de impacto é conseguirem estabalecer uma hierarquia de qualidade das diversas revistas, o que resulta numa facilidade na pesquisa e análise de trabalhos da comunidade científica. A grande desvantagem é que tendo o factor de impacto a importância que tem em termos financeiros para os cientistas (falarei sobre isto mais à frente), ocorre muitas vezes terem-se que publicar artigos em revistas cujo tema geral não está totalmente relacionado com o estudo em causa, mas que têm um factor de impacto superior ao daquela onde o estudo se inseria melhor!

Os factores de impacto têm uma importância desmesurada em muitos países, que utilizam este critério na distribuição dos fundos para a investigação. Desta forma, um cientista que publique numa "Nature magazine" (o supra sumo das revistas científicas), terá a vida muito facilitada quando chegar a hora de se candidatar aos fundos disponíveis. Já aquele cientista que publique em boas revistas da área em que trabalha, mas que têm um factor de impacto baixo ou médio, terá que andar constantemente a lutar por financiamento, tentando pescar dinheiro nas mais diversas instituições e das mais variadas formas!

Começa-se então a perceber o que poderá levar algumas pessoas a adulterarem resultados!

Mas a isto tudo há ainda que somar o reconhecimento ao nível da comunidade cientifica que se obtém quando se publica numa revista do topo. É comum quando se fala de uma determinada área referir nomes de cientistas ligados a essa área. Por norma estes publicam em revistas de alto factor de impacto!

Assiste-se aqui então a um conflito de interesses entre as questões financeiras, a ética profissional, o reconhecimento científico e o futuro profissional!

O que se passou na Coreia do Sul, foi talvez o caso mais mediático. O cientista em causa, após obter o reconhecimento que as suas publicações lhe trouxeram, conseguiu financiamento para erguer um instituto que emprega hoje centenas de pessoas e produz excelentes trabalhos na área das células estaminais. Era idolatrado em todo o país, pelos mais diversos sectores profissionais, pelo trabalho relevante que estava a desenvolver pelo bem colectivo. Mais recentemente veio a lume o caso de um cientista Norueguês que durante anos adulterou o diagnóstico de pacientes por forma a conseguir alterar a estatística dos seus trabalhos, para valores relevantes. Como estes dois casos muitos mais deverá haver. São indesculpáveis, ao nível ético, moral e científico, mas quem assiste, como eu, à luta que um chefe de grupo tem que travar todos os dias, aos milhares de páginas escritas todos os anos para projectos submetidos às mais variadas fundações, institutos, empresas, tudo para que o dinheiro para os reagentes e experiências não acabe, tem que compreender que estas situações aconteçam!

Vivemos num mundo competitivo e a ciência não foge a esta competição! Este sistema de avaliação do mérito científico está longe de ser perfeito, antes pelo contrário, mas é o que existe! E até surgir um melhor é este que se deve ter como referência!

Não quero com este texto desculpar estes actos, apenas chamar a atenção ao mais comum dos leigos na matéria que, mesmo indesculpáveis, há muitos factores que levam alguém a cair na tentação...

RC

3 comentários:

viking disse...

Olá Ricardo,

Parabèns por este post! Acho que foi o melhor que publicastes neste espaco e sobre um tema importante e que necessita esclarecimento para o cidadão comum.

Infelizmente, existe muita ignorância na populacão em geral sobre os métodos e o processo de investigacão cientìfica. Já fui confrontado com várias discussões entre familiares em que a pedra final na discussão foi dada com frases que comecaram com a expressão "Está provado científicamente que...". Muitas vezes fiquei na dúvida de que forma é que isso está provado, quase que me apeteceu perguntar "Ah sim! Em que revista?". Hoje em dia assiste-se a duas posicões extremas no que respeita ao trabalho de um investigador. Ou uma atitude de aceitacão cega e sem crítica, ou o outro extremo, uma profunda suspeicão e cepticismo em relacão às motivacões do investigador e do processo científico em geral.

Mais uma vez, bom post e só é pena que os meus colegas de Oslo estejam envolvidos nesta confusão. Por aqui cada vez que fui a uma festa com "leigos" nas ultimas semanas, perguntaram-me sempre se nós no laboratório também falsificamos resultados.

Abraco
:-)
Paulo.

Anónimo disse...

Ha uma cadeira que sou obrigado a ter por aqui mas que esta a ser muito importante. Cardiologia farmacologica, mas que de facto eh uma cadeira em que o tema dominante eh cardiologia e consiste em ensinar-nos a ler artigos cientificos de uma forma critica. A verdade eh que ja encontrei artigos cientificos na Circ Res (cujo impacto anda nos 10, 15) e com uma qualidade cientifica deploravel.
As fraudes cientificas sempre aconteceram e sempre irao acontecer pois o espirito corruptivo esta presente em todas as classes. Mas o facto de que as pessoas se habituaram a dizer: foi provado cientificamente!, e passaram a colocar os cientistas num altar (quando lhes convem), esse foi o factor mais importante no impacto destas noticias. Não, não há cientistas perfeitos! Somos apenas seres humanos como todos os outros. E corrupção existirá em todo o lado!
Abraço

Anónimo disse...

Caro anónimo,

tem toda a razão! É outro dos problemas com que se debate a ciência actualmente: aquilo a que nós chamamos "factor c". A vulgar cunha. Conhecendo-se os editores da revista é mais fácil publicar nessa revista, mesmo que a qualidade do estudo seja suspeita! Tal tem levado a que algumas revistas tenham visto os factores de impacto descer para niveis médios ou baixos (vide JBC ou PNAS). Quanto à célbre expressão do "está cientificamente provado" é sempre possível contrapor com o "tudo está cientificamente provado até ser posto em causa por outros estudos!" Só a matemática é exacta, as outras ciências estão em constante mutação!

Viking, infelizmente os ecos da fraude de Oslo chegaram ao KI já que todos os estudos com material humano (biópsias e afins) na Escandinávia, são resultado de colaborações já que sendo a população escassas não se encontraria material suficiente para os estudos se os grupos trabalhassem fechados sobre o seu umbigo!

Cumprimentos

RC