terça-feira, fevereiro 14, 2006

Lost in translation - o outro lado do espelho

Antes de mais tenho de dar a todos os parabéns pelas palavras geradas nestes primeiros posts desta primeira semana. O começo é promissor!
Repito o título para dar a conhecer o reverso da medalha.
Se por um lado traduzir de português para inglês pode ser uma tarefa ingrata, só agora me apercebi de como o contrário pode ser ainda mais difícil.
Eu sempre fui um dos críticos daquele pessoal que emigra e que quando volta a Portugal mistura as duas linguagens naquilo que parece ser uma tentativa de afirmação perante os que se mantêm no nosso Portugal. E todos nós já usámos palavras como "avecs", para os emigrantes em países francófonos, ou "camones" para os que levaram alguma cultura para o norte da America (esta tinha de ser...).
Em quase 7 meses pelo Canadá sem regressar à terra-mãe, dou-me por feliz por ter tido a maior parte do tempo a companhia de uma colega das tertúlias coimbrãs, mas não posso esquecer a comunidade portuguesa em Edmonton, que descobri quase por acaso, e em particular a família que me acolheu quase em jeito de adopção.
Dois são os dias da semana em que o português é a lingua que mais falo, mas fora isso as poucas palavras vão para os pais e alguns amigos, e o inglês passou a ser a minha língua, para falar, escrever e pensar. Graças aos minutos diários a actualizar-me sobre o que se passa no desporto (Abola), o país (Público) e Coimbra (Diário de Coimbra) consigo manter um nivel de escrita em português aceitável.
Mas voltemos à comunidade portuguesa de Edmonton. Na última vez que contaram, existiam cerca de 15 000 (sim, quinze mil) portugueses e descendentes de portugueses nesta cidade com pouco mais de 1 milhão de habitantes. A forma como os descobri dará uma bela crónica um dia destes.
Naturalmente que, por muito aventureiro que seja, tentei aproximar-me dessa comunidade da qual fazem parte uma Igreja e um Centro Português construido por portugueses e com donativos dessas mesmas pessoas.
No princípio frases como: "No Inverno o snow chega a quase 6 feets"; " O train é muito bom!", "Tens de comprar um cell" fizeram-me muita impressão, e muitas vezes pensei: "Mas estes gajos não sabem que snow é neve, train é comboio (ou metro neste caso) e cell é telemóvel?".
Não foi preciso muito para perceber que a resposta é: "Não, não sabem!" Conheci um senhor açoreano, da ilha do Faial que veio para aqui há mais de 25 anos e nunca mais voltou a Portugal. Como pode ele saber que é um telemóvel ou um comboio? E apesar de existir uma escola portuguesa, os filhos e netos aprendem inglês como língua mãe e chegare a casa e ouvirem os pais a falar português faz com que a linguagem com que comunicam é uma linguagem híbrida entre o português e o inglês, com vantagem para o inglês.
Mesmo para mim que acabei de "sair do barco" começa a tornar-se complicado nalgumas situações traduzir os meus pensamentos para português.
Ganhei uma nova perspectiva sobre a hibridização de linguagens que acontece com todos os emigrantes portugueses e finalmente compreendo: existem palavras que apenas aprenderam na língua do país de acolhimento e não tinham ninguém por perto que lhes dissesse a correspondente palavra em português.
Naturalmente que a comparação entre os países (a pátria e a outra pátria) surge naturalmente. Da mesma forma que comparo o Canadá a Portugal, certamente que quando regressar a Portugal farei o inverso, e frases como "Lá é que é bom" não são ditas com superioridade (mas muitas vezes são) mas como constatação de um facto. Só para terem uma ideia das diferenças: um empregado da construção civil aqui, trabalhando 4 dias por semana, 8-10 horas por semana, sem ganhar a dobrar em fins de semana ou feriados, tira cerca de 4 000 (sim, quatro mil) dólares por mês. Se considerarmos que o custo de vida comparado com Portugal não é assim tão diferente...
Mas aquilo que mais me toca e com que vou encerrar este texto que já vai longo, é que todos vieram em busca do paraíso, em busca de uma vida melhor para eles e para os filhos, mas o destino final é sempre, mais tarde ou mais cedo o país de origem. E se por um lado dizem que aqui é melhor que em Portugal, também dizem:
"Não há nada como o nosso Portugal!"

Orgulhosamente Português,
Virgílio Cadete

1 comentário:

Anónimo disse...

Não consigo concordar totalmente contigo!

Se no meu caso particular, há palavras que tenho imensa dificuldade em traduzir por nunca as ter utilizado em Portugal, palavras essas provenientes do meio científico, não encontro dificuldades em falar correntemente! Por vezes o discurso poderá não tão fluido como era, mas tal decorre do facto de não ter estas discussões "in loco"! Continuo a ler jornais e a ver TV portuguesa, mesmo residindo no estrangeiro. Jamais quebrarei os laços com a origem, embora compreenda quem o faça, pois muitas vezes é a única forma de aceitar a mudança!

Continua-nos a brindar com estes textos.

Abraço,

RC