quarta-feira, fevereiro 08, 2006

Lost in translation 2


Trondheim, Noruega

O meu nome á Paulo e nasci em Portugal à 27 anos atrás. A primeira vez que sai do meu país de origem foi à cinco anos atrás, quando decidi fazer a minha tese final de licenciatura em Copenhaga. Por motivos práticos, achei que era altura de comecar a raptar as revistas semanais da "Time" que a minha irmã assina e esforcei-me por ignorar as legendas nos filmes em inglês que eu assiduamente ia assistindo nos cinemas locais. O Inglês iria ser a minha língua de ponte. Comprei também atravès da internet um "Teach Yourself Danish", com registo sonoro para ir acompanhando os textos. Mal sabia no que é que me ia meter! Por grande azar, o dinamarquês é dos idiomas fonéticos mais dificeís entre as líguas indo-europeias. O dinamarquês tem 9 vocais gráficas (a,e,i,o,u,y,æ,ø,å), e estas podem ser expressas em 13 formas fonéticas distintas! Em comparacão, o português tem apenas cinco formas escritas, e umas 9 ou 10 formas fonéticas. O espanhol é canja: 6 escritas e número igual de fonéticas, razão pela qual é tão fácil para um estrangeiro aprender. Ainda pior, o dinamarquês é quase a única língua germânica (ou europeia) com 'glottal stop', ou 'stød', como os dinamarqueses lhe chamam. Traduzido para leigos, isto significa que muitas palavras não são pronunciadas até ao fim. Algumas sílabas perdem-se no dinamarquês currente. Um dos exemplos mais dramáticos é a palavra "selvfølgelig" (=naturalmente, certamente). A palavra, na sua forma escrita, parece impronunciável e intragável. Mas depois de digerida, sobra apenas, na forma oral, algo como "sefóli".
Como podem imaginar, sofri um pronunciado choque linguístico mal meti os meus pés em Kastrup (aeroporto internacional de Copenhaga). Já conseguia ler os sinais e um par de linhas nos jornais locais, mas no que toca a tentar perceber o que os indígenas iam ladrando à minha volta, ai não havia nada a fazer.
Felizmente, esta história teve um final feliz. Depois de 5 meses de cursos de dinamarquês, lá comecei a perceber o suficiente para poder agradecer um café ou comentar o clima com as empregadas dos restaurantes no centro de Copenhaga. Ou ler a banda desenhada nas ultimas páginas do "Ekstra Bladet", o maior tablóide dinamarquês. Em termos da minha experiência dinamarquesa, o único claro vencedor linguístico foi o inglês. Por falta de contacto com portugueses, o inglês tornou-se a unica lingua que utilizei durante largos meses. É incrível quão rápido uma pessoa aprende uma língua quando esta é a única forma de expressão.
Felizmente, o norueguês é quase idêntico ao dinamarquês na sua forma escrita. Este facto tem razões históricas que eu não irei aprofundar nesta crónica - é uma longa história, fica para outra altura. Utilizando os meus parcos conhecimentos de dinamarquês como ponto de partida, foi fácil e rápido aprender a forma mais utilizada de norueguês (existem 2 idiomas escritos - bokmål e nynorsk - sendo o primeiro o mais currente).
A minha história de como é que aprendi o norueguês é uma longa saga por si só, mas hoje posso dizer que o norueguês é a língua que utilizo mais frequentemente no meu dia-a-dia.

Pegando no tema lancado pelo Virgílio, acho que o maior factor de integracão numa cultura diferente processa-se através da aprendizagem da língua local. Existem muitos termos intraduzíveis, ou conceitos que estão entranhados e imiscuídos na forma de comunicar. Não acredito muito na ideia de que certas palavras particulares são intraduzíveis - fado é 'skjebne' em norueguês, saudade é 'lengsel' - mas acredito de que a forma como estas palavras se utilizam em relacão umas com as outras é terrivelmente diferente de língua para língua, e é altamente contextual. Pegando num exemplo infelizmente actual, a rainha da dinamarca, Margrete II, tornou-se alvo da ira dos grupos extremistas islâmicos gracas a um erro de traducão. Margrete utilizou a palavra 'modstykke' como adjectivo para classificar o papel do islamismo na sociedade dinamarquesa em relacão à maioria cristã. 'Modstykke' significa, no contexto em que a rainha utilizou, "complemento", mas a imprensa britânica utilizou a outra interpretacão, "opposition" (oposicão), na transcricão do discurso da rainha. A partir daí comecaram os problemas.
Compreende-se então o esforco que os governos nórdicos têm empreendido em tornar a aprendizagem da língua nacional obrigatória aos imigrantes. Neste momento, é impossível tornar-se cidadão dinamarquês se se falhar um teste da língua, e medidas semelhantes comecam a ser tomadas na Noruega e na Suécia.
Outra curiosidade linguística referida na crónica doVirgílio é a palavra referente a 'namorado' ou 'namorada'. Em sueco existe a palavra 'pojkvän' ou 'flickvän'', que se conjugam na mesma forma que no inglês. No alemão e no holandês é ainda mais confuso: a mesma palavra é utilizada para descrever 'amigo' e 'namorado', tornando a interpretacão altamente contextual ('vriend' no holandês, 'Freund' em alemão). Mas no norueguês torna-se cómico, já que a palavra 'kjæreste' não distingue o masculino do feminino. E dada a liberdade de inclinacões sexuais por aqui vigentes, já me aconteceu cometer alguns erros embaracosos...
Já agora, só para terminar, vocês sabiam que a palavra 'amor' não existia no vocabulário finlandês até ao início do século XX? Foi exactamente por causa das traducões que a palavra comecou a existir: afinal de contas, esta palavra aparecia tão frequentemente na literatura estrangeira...

Bem, portem-se e até para a semana!
:-)
O Viking!

1 comentário:

Anónimo disse...

Bem, já tinha saudades tuas! Mas saudades mesmo saudades, das portuguesas. Há quanto tempo que não sabia nada de ti. A malta mais nova até nem vai perceber isto.

Obrigadinha pela "barra cronológica" logo no inicio do post (já agora que em português poderá ser anunico, uma vez que afixado não é substantivo), é fixe para a malta se sentir velhita.

Gostei das novidades, espero mais. E concordo contigo quanto à importância da lingua e do estudo de uma linguá para nos integrarmos e sentirmos acolhidos por uma cultura. Ou não fosse a linguagem verbal o ex-libris dos humanos.

Beijinhos para ti e saudações para todos os membros do blog.