domingo, fevereiro 12, 2006

Ir para fora…cá dentro!


Aos amigos do “continente”…

Artur da Cunha Oliveira disse, no decorrer de uma intervenção sobre Instituições Autonómicas Regionais que, “desde os primórdios da emigração os Açores são apenas um ponto de transição, um ponto de passagem e não um ponto a atingir." e que "Assim, os açorianos são, no seu mais profundo inconsciente colectivo, homens e mulheres do continente e não insulares.”
Efectivamente os Açorianos têm sido, ao longo da história, um povo de e da diáspora. De facto, o português falado nos Açores, é fruto do cruzamento do português trazido, sobretudo, do Algarve, do Alentejo e de estrangeiros (França), donde resulta a variedade dos sotaques que se ouve nos Açores. Numa dessas variantes, por exemplo, não se pronunciam os ditongos. Noutra o som francês "ü" levado para os Açores pelos gauleses persiste ainda hoje. Por outro lado, desde o séc XIX até ao último quartel do século passado, os açorianos experimentaram um contingente emigracional significativo, primeiro para o Brasil mas principalmente para os EUA e Canadá, estimando-se a população emigrada actualmente em um milhão de Açorianos entre primeira, segunda e terceira gerações, o que representa sensivelmente, o quádruplo dos habitantes das Ilhas. Daí muitas vezes se designar o "Novo Mundo" como a "décima Ilha".
Esta tendência cessou e hoje, quem emigra dos açores, fá-lo acima de tudo por ambição profissional, mais do que por procurar um melhor nível de vida. Pelo contrário, os Açores têm vindo a tornar-se um pequeno pólo de imigração quer por Portugueses do continente que para lá vão trabalhar, quer por estrangeiros, do norte da Europa principalmente, que escolhem as “ilhas de bruma” para gastar a sua desproporcional pensão de reforma, principalmente nos meses de Inverno.
Há ainda um outro fenómeno, tema central neste texto, do qual os Açores começam a retirar incomensuráveis benefícios. Falo da vinda de muitos Açorianos para estudar no continente. Antes do 25 de Abril só os mais abastados podiam suportar os estudos de um filho seu além fronteiras mas actualmente, com as facilidades existentes, nos transportes principalmente, houve uma massificação desse fenómeno.
Esta circunstância é pois importantíssima não apenas ao nível da formação superior, até porque esta já é facultada na região, nas mais diversas áreas, mas principalmente ao nível cultural, da abertura das mentalidades. Ainda sou do tempo em que o único canal de televisão que existia nos Açores era a RTP-A, que começava a transmitir, pasme-se, às 16h, e os jornais do dia só chegavam ao meio-dia. Nessa altura era “chique” vir ao continente e para qualquer parte do país que se fosse, ia-se para “Lisboa”, resquícios de uma cultura ainda colonialista. Hoje tudo é diferente, a disseminação dos meios de informação veio atenuar os condicionalismos inerentes à condição ultra periférica da região e não é por acaso que os Açores estão ao nível dos países mais desenvolvidos da Europa no que à utilização de Internet diz respeito.
Falava do fenómeno da massificação dos estudantes no continente (bem como no estrangeiro). A sua importância é inegável a dois níveis. Pelo tipo de vivências que se tem, pela diversidade de pessoas que se conhece e pela possibilidade de beber os mais diversos tipos de conhecimento, mas também pelo ganho de independência que sair de casa dos pais aos 18 anos acarreta, à imagem do que acontece nos países do Norte da Europa.
Estarei a ser demasiado ambiciosos ao referir-me a uma “cultura Açoriana” contudo, por hipótese simplificadora de ideias vou cometer essa ousadia. Não há culturas estáticas, imutáveis, permanentes ou fechadas em si mesmas. A abstracção que chamamos de cultura não é fácil de delimitar. Se tomarmos uma das definições possíveis para cultura como "saberes e conhecimento transmitidos ao conjunto dos membros de uma sociedade, através de um processo de aprendizagem." (François Laplantine), penso que podemos perceber claramente a ideia que pretendo transmitir.
E o que é fantástico é que, mais uma vez no campo da simplificação, não podemos falar de um fenómeno de aculturação ou algo do género. Pelo contrário os Açores, apesar de tudo, têm conseguido manter muitas das tradições e dos valores pelos quais se regia antigamente, o que vai rareando por esse mundo fora.
Vir estudar “cá para fora” abre portanto os horizontes que são no nosso caso culturalmente, historicamente e realmente amplos, no mínimo situam-se mais ou menos na linha que separa os azuis do céu e do mar. Esse facto aliado à realidade de durante muitos anos termos estado isolados, votados a nós mesmos, ajuda a dar mais valor à nossa terra, a querer voltar... pelo que, meu caro Artur Oliveira , as suas palavras, já tendo feito sentido algures na historia, hoje na minha humilde opinião, são desprovidas de qualquer significado.
Se há algo que muitos dos Portugueses do continente (não todos) podiam ter como exemplo, o que não raras vezes, por qualquer rasgo de ignorância é interpretado como uma ansia independentista, é o orgulho, o sentimento de pertença que as pessoas das ilhas têm pela sua própria região.
Finalizando, que isto já vai longo, reporto-me ainda ao benefício que a interacção calhau / rocha-mãe acarreta para a minha região, tema central deste texto. É que é essa, acima de todas as outras, tirando o facto de metade do meu sangue ser continental, a dívida de gratidão que eu, a um nível mais particular, tenho para com o continente, para com Coimbra, para com todos vós… Tenho dito!

4 comentários:

RC disse...

Bem, este texto deve encher de orgulho muitos Açorianos! Pode-se dizer que aprendi algo hoje. Já agora uma questão que me persegue há muito tempo: diz-se açoriano ou açoreano?

Abraço,

RC

RC disse...

Fico satisfeito por no fim de contas não andar a cometer nenhum erro quando escrevo com "e"!

Relativamente ao teu texto, gosto particularmente de salientares o patriotismo do povo Açoriano! Falta isso no continente. Há uns iluminados que sempre se apela ao patriotismo, começam logo a apelidar-nos de fascistas, como se gostar do nosso país, da nossa história, da nossa identidade fosse um acto fascistas! Muitos desses iluminados, nem sabem o que é o fascismo! Mas deixo esta discussão para outro texto.

Abraço

Anónimo disse...

Boas

A minha modesta opinião é que o típico "Português do continente" não "necessita" de ser/dizer patriótico pois está na pátria (está no país). O sentimento patriótico fica maior com a distância ao centro (a Lisboa)-muito por culta das vistas curtas! Por isso acho muito natural que os mais distantes tenham vontade, direito, razão e tudo mais alguma coisa a sentirem-se Portugas e dize-lo mais alto do que a generalidade dos que estão no continente.

Por esta minha ordem de ideias:
Portugal continental, votado a uma perifería europeia, não deveria também ele estar embebido num espírito mais "patriótico europeísta"? Serão os valores da nossa Europa tão alheios aos interesses dos Portugeses que não provoque neles vontade de os abraçar?

Abraços

Rui Neves

P.S. Desculpem as aspas todas mas há algumas coisas que nas conversas de café se tornam mais fáceis de explicar.

Anónimo disse...

O sentimento de pertença a um local nem sempre se coaduna com a tal "rocha mãe"...Na minha modesta opinião, pertencemos aos sitios onde mais fomos felizes...ixo sim, deixa uma marca em nós!Mas saliento que não deixo de achar lindo esse teu amor e orgulho pela tua "pátria insular"...

Beijuh, Heleno*