quinta-feira, julho 26, 2007

Especialistas de bancada!

Um fenómeno que tenho observado muito ultimamente são os artigos de opinião e as cartas dos leitores que se multiplicam quando é publicada uma notícia científica de conclusão políticamente controversa. Cada vez que os investigadores do clima ou biólogos ambientais publicam um estudo em que se conclui que a accão humana está a desencadear efeitos nefastos no ambiente global, aparecem logo uma dúzia de especialistas de trazer por casa a dar a sua opinião científica acerca da validade das conclusões atingidas pelos cientistas profissionais (geralmente contra!).

Uma analogia seria a situacão de um médico virar-se para uma doente depois de a examinar, anunciar "olhe, desculpe comunicar-lhe isto, mas a senhora tem cancro." e a doente responder "olhe, desculpe lá, mas acho que o senhor não sabe o que está a dizer. E ainda por cima, agora não me dá lá muito jeito ter cancro, está a perceber...".

O que isto (tristemente) revela é a ignorância por parte do público em geral em relacão ao processo de investigacão. Para um artigo ser publicado numa revista científica de peso, precisa primeiro de ser lido e criticado por especialistas no mesmo ramo, alguns deles concordantes com as conclusões e outros nem por isso, que em principio tudo farão para garantir a validade e a precisão das conclusões apresentadas. Segundo, não se esquecam de que os cientistas são pessoas cujo emprego é investigar um problema e que passam grande parte das suas vidas a analizar observacões e a pesar todas as evidências de uma experiência em pormenor. São pessoas que gastaram geralmente muitos anos da sua vida a estudar exclusivamente problemas relacionados com a sua área de especialidade. Terceiro, e se calhar o mais importante, ainda que um artigo possa apontar para uma conclusão específica, normalmente é mais importante ver que figura se desenha a partir do conjunto de artigos publicados sobre a mesma matéria, por parte de equipas provenientes de muitos laboratórios diferentes. É (bem) possível que uma equipa de investigadores tenha interpretado mal os dados de uma observacão ou tenha tirado as conclusões erradas, mas que muitas centenas de equipas o facam, isso já é mais improvável. Quarto, para concluir algo, um cientista precisa de se justificar pesadamente e utilizar métodos estatísticos que têm sido estudados e desenvolvidos nos ultimos 300 anos. Nenhum cientista pode publicar um artigo objectivo baseado apenas num pensamento que ele teve ou numa opinião pessoal, sem apoio em observacões de dados (nesse caso seriam puros artigos de opinião, e mesmo esses tem de ser devidamente fundamentados).

Subitamente toda a gente se torna especialista num assunto do qual nunca estudou ou trabalhou quando uma conclusão não lhe agrada (geralmente quando aponta que a compra daquele jeep com que andou a sonhar nos ultimos anos não é o melhor para o ambiente). Ainda por cima, alguns tentam rebater com argumentos de coisas que ouviram num documentário ou coisas que ouviram de um amigo no café (aqueles que tentam justificar-se) ou então vêem com observacões de casos pontuais do género "ah, mas o ano passado também havia muita poluicão mas fez mais frio que este ano!". Isto revela uma arrogância e ignorância popular sem limites. Quando leio um artigo novo de conclusões surpreendentes nos ramos da física, química ou pegando no exemplo, metereologia, tenho a humildade de reconhecer que estes não são os meus campos profissionais e deste modo confiar nas conclusões. Nos casos em que as conclusões chocam demasiado com a minha percepcão anterior naquele campo, prefiro esperar pelos desenvolvimentos e reaccões dos especialistas no mesmo campo de investigacão, cuja opinião é mais bem ponderada e baseada em factos científicos do que a minha.

A ciência tem apresentado os factos e as conclusões e por vezes dá recomendacões e conselhos baseados nos conhecimentos científicos que se têm na altura. Se os políticos e o povo querem segui-los, é uma outra questão, mas tentar rebater as conclusões sem educacão nesse campo é uma atitude verdadeiramente arrogante (e até certo ponto, perigosa).

1 comentário:

RC disse...

Boas,

concordo com quase tudo. Só nesta parte "Para um artigo ser publicado numa revista científica de peso, precisa primeiro de ser lido e criticado por especialistas no mesmo ramo, alguns deles concordantes com as conclusões e outros nem por isso, que em principio tudo farão para garantir a validade e a precisão das conclusões apresentadas." é que coloco algumas reticências... Não que se possa publicar uma qualquer barbaridade, mas há alguns cientistas que publicam com relativa facilidade nas revistas mais importantes, sem que o trabalho apresentado o justifique. Factor C existe, mas não invalida que os artigos sejam na mesma sujeitos a revisão por outros cientistas.

Grande abraço